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Saudades de Lisboa

Por Catarina Martins *

Atravessava o centro lisboeta diáriamente, cantava pela margem do rio e dançava com todos os pássaros que se pronunciavam. A minha alegria, a minha fantasia era jorrada em cada pétala de cada flor sobrevivente, cada verde canto, janelas de repleta flora.

O rio estava manso, nele passeava-se um barco, cheio de corpo, de nome "Eugénia", não se via um passageiro, talvez fosse de carga. O caminho que percorria parecia imprevisível, as gaivotas escutavam-no e seguiam-lhe o sorriso.

A separar a água de mim um mural amarelo seco, onde lufadas de vento gritavam liberdade. O Tejo e o seu corpo que inundam a cidade de uma clara e cómoda brisa. Conheço-te as ondas, o brilho da tua água.

Sentei-me e durante meia hora tracei aquela fotografia, que nesse dia me parecia especialmente diferente. O esquiço dessa tarde ainda hoje se encontra pendurado no meu quarto, à frente da minha cama. Fixei por momentos aquela calçada tão típica, onde se descobrem quadros, pinturas ou fotografias relativas a este ou aquele canto, um cheiro que se solidificou, as cores que conheceram esta janela ou aquele telhado, onde desde sempre se abrigam pombos numa espera diária de quem os alimente.

Continuava à procura do meu sonho, cada minuciosidade que me assaltava a vista era uma outra novidade. Desvendar algo de novo não é difícil. O que se aprecia em Lisboa é a sua vincada desigualdade de rua para rua, o cenário que se vai mostrando variado, acompanhado de uma diferença de arquitectura, de espaço, da possibilidade de encontrar um café cada vez mais amigo e elegante.

Falei há dias com alguém, ficou surpreendido com Lisboa, uma cidade espantosa, tão diferente de todas as europeias nossas vizinhas. É essa mudança de máscara que agrafa tantas pessoas à cidade e as faz perceber que, longe, bem no nariz da Europa, banhado pelo Atlântico,vive esta pequena "grande" cidade, que me envolve e da qual vivo as minhas mais positivas lembranças.

Naquele dia sentei-me num café, no centro da cidade, onde a vida se atribula, as passadeiras são enchentes e esperei por ti. Fantasiei, assim mesmo aqui vivendo, uma cidade, a minha que vigia todos os meus sonhos, os mais surdos e íntimos.

O meu bloco de notas permaneceu sempre comigo, a caneta rabiscava, eu sentia-me nervosa pelo teu atraso. Um vendedor ambulante passou por mim, fui-me distraindo com os seus pregões, com a senhora que vendia flores à frente daquela tasca sincera que outrora frequentámos. Ao meu lado estava um casal, banalizavam palavras, jogavam às cartas.

Tocaste-me nas costas, vibraste um "olá" tremido e sentaste-te. Trazias contigo as fotografias que te pedi. A nossa conversa foi tão vulgar quanto a do casal que referi anteriormente.

Estavas com pressa, fugiste de mim. Pus os óculos escuros para disfarçar a vermelhidão dos meus olhos, as lágrimas que me agrediam e fui caminhando sem rumo.

Sentei-me num jardim, uma pequena e velha fonte estava ao meu alcance. Nela refresquei-me e, durante minutos perdidos fiquei sentada naquele miradouro, igualável a uma janela de pedra pouco geométrica. Ao abri-la, assisti ao rodopiar das gaivotas naquele céu imenso, uma parte da antiga Lisboa descobria uma mais nova. Como o tempo mudara esta imagem, muito estava diferente mas nada desmentia aquela beleza só tua.

Abri o envelope, nele relembrei o passeio de teleférico que fizemos no Parque das Nações. Sempre simpatizaste com aquela torre e com aquela nova ponte acrobática que se desdobra até ao sul. Uma notória diferença da "Ponte 25 de Abril", a minha de eleição.

O resto das fotos reavivaram o concerto de fado que assistimos juntos. Pensei para mim mesmo, quantas músicas não inscrevem a cidade e o seu dia-a-dia. Tu que o inspiras, conquistas, plateias sérias e numerosas, lágrimas que se atropelam, memórias futuras, sempre presentes em admiradores vindos daqui, dali e que te compreendem, entendem a tua tristeza, o mar que te acende, a cantadeira que te deu voz.

E ao virar a esquina, um outro café, a calmaria que também ali predomina.
Senti-me cansada. - Cheguei a casa e escrevi uma carta, para ti, amanhã enviar-te-ei pelo correio.

"Suspiro o que em ti conheci e o que através de ti aprendi. Ontem passei por bares e discotecas, acordei com a cidade que clareou cada rua, avenida, jardim que escondida ainda dormia. Acordei com cada prédio, pastelaria, com o abrir de uma barbearia.

Hoje passei por ela, feri a memória quando te voltei a ver. Sou-te sincero, tocas-me, és uma cidade apaixonante.


* Licenciada em Comunicação Social da Universidade Técnica de Lisboa e alfacinha de gema. Compôs esse texto em exclusiva para o "Correio Luso-Hanseático", longe da sua terra, em Erlangen, onde estudou como bolseira do programa Erasmus.




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Portugal-Post Nr. 23 / 2003


Catarina Martins im verschneiten Deutschland